[:pt]I – O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública em desfavor do INSS, ao argumento de que a autarquia, numa interpretação equivocada do § 1º do art. 3º da Lei n. 10.666/03,
exigia até o ano de 2010, para o deferimento das aposentadorias por idade, que a tabela de carência do art. 142 da Lei n. 8.213/91 fosse considerada segundo o ano do requerimento administrativo, e não segundo o ano em que o segurado completou o requisito idade. Assim, para o ano de 2003 era exigido 132 contribuições, tanto para quem tivesse implementado o requisito etário antes de 2003, como também seria exigido um maior número de contribuições para o idoso que passasse ao ano seguinte sem as 132 contribuições.
II – Tal interpretação, segundo o MPF, estaria na IN n. 20/2007 que exigiria, até o advento da Lei n. 10.666/2003, o cumprimento dos requisitos de forma concomitante.
III – Argumentou o Parquet que, após novas instruções normativas da autarquia, IN n. 40/09 e IN n. 45/10, referida interpretação foi revista, mas que inexistia planos de reforma de ofício dos
procedimentos erroneamente negados.
IV – Sendo assim, diante de um número indeterminado de idosos prejudicados, resolveu o MPF ajuizar a presente ação civil pública.
V – Para se defender sobre a desnecessidade de revisão dos procedimentos negados segundo o entendimento superado, a autarquia alega, basicamente, que adotou interpretação razoável, a qual não pode ser alterada, de forma retroativa, forte no art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei n. 9.784/1999, que regula o processo administrativo.
VI – A fundamentação adotada pela autarquia, contudo, é insuficiente para alterar o aresto recorrido.
VII – Pelo que se dessume dos autos, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública defendendo o interesse de postulantes a aposentadoria por idade, que tiveram seu benefício negado em razão de interpretação adotada pelo INSS, e que se mostrou equivocada, conforme a jurisprudência dominante.
VIII – O Tribunal a quo entendeu a postulação viável, porquanto reputa possível o ajuizamento de ação civil pública para defesa de interesses individuais homogêneos, quando presente o interesse
social relevante, nos termos da jurisprudência dominante.
IX – Sendo esse o panorama dos autos, a tese usada pela autarquia é inadequada para o caso. Isso porque a Lei n. 9.784/99 estabelece normas para o processo administrativo. E é nessa seara que a
Administração deve observar a vedação de aplicação retroativa de nova interpretação da norma jurídica.
X – O caso dos autos, entretanto, é diverso. Aqui não se está cogitando de interpretação razoável ou não no processo administrativo, mas sim de aplicar ao caso concreto, em processo judicial, interpretação que se considera correta atualmente, ainda que houvesse no passado alguma divergência sobre o tema. E o Ministério Público assim pretende, por legitimação extraordinária,
visando o interesse de pessoas que pretendiam se aposentar por idade, mas que tiveram seu benefício negado em interpretação que se mostrou equivocada.
XI – O Tribunal a quo analisou a questão, conforme se observa do seguinte excerto, in verbis (fls. 438): “Os efeitos ‘ex tunc’ do reconhecimento de direitos são consequência ordinária de decisões
judiciais declaratórias. E declarado o direito não há razão para situações anteriores estejam imunizadas à necessária correção. Mesmo que se repute razoável o entendimento que vinha sendo adotado pela Administração, provocada a jurisdição, deve ser aplicada, ainda que dentre as opções razoáveis, aquela solução que represente a aplicação correta do direito, observada a necessária retroatividade, a qual somente encontra obstáculo nas restrições temporais previstas em lei, como a decadência, que no caso não se aplica (como bem esclarecido no voto do Relator), e a prescrição, que incide apenas em relação às parcelas, não prejudicando o fundo de direito. Manutenção de decisões razoáveis somente é possível quando formada a coisa julgada, de modo a inviabilizar, consoante entendimento consagrado, a via da rescisória. O agir da Administração, todavia, certo que jurisdição administrativa não é vocacionada à definitifividade, não se pereniza pelo simples fato de o descumprimento da lei (assim entendido à luz do entendimento que restar consolidado em decisão judicial) estar ancorado em fundamentos razoáveis.”
XII – Ora, referido fundamento, de que descabe a alegação de interpretação razoável no processo judicial, é suficiente para manter o julgado, independentemente de se considerar razoável ou não
a interpretação dada pela autarquia no passado.
XIII – O recurso especial passa ao largo dessa relevante questão, de forma que incide ao caso a Súmula n. 283/STF, pela ausência de impugnação de fundamento autônomo.
XIV – Ainda que fosse possível superar o ponto supra, constou do acórdão recorrido também o seguinte, in verbis: “Ademais, verifica-se que desde 2001 a jurisprudência vem firmemente
rechaçando a interpretação ilegal de que o INSS vinha se utilizando, mantendo-se firme até hoje” (…) Por isso, não se trata de aplicação retroativa de nova interpretação, o que é vedado pela Lei
n. 9.784/99. É que não se trata simplesmente de alteração de interpretação possível para outra igualmente possível, mas sim de correção de interpretação inequivocamente ilegal, que sempre foi
ilegal, tanto que assim veio a ser reconhecida.
XV – Ora, veja que a questão da interpretação razoável foi enfrentada também sob essa ótica, pelo Tribunal a quo, tendo aquela Corte aduzido que desde 2001 a jurisprudência já era pacífica quanto ao equívoco da tese utilizada.
XVI – Mais uma vez não houve enfrentamento desse ponto. De que adianta o INSS argumentar que tinha tese razoável se, desde 2001, ou seja, anteriormente ao período controverso, já havia jurisprudência dominante contrária à sua tese. Incide também, sob esse aspecto, a Súmula n. 283/STF, pois, quanto à referida assertiva, não há menção no recurso especial.
XVII – Agravo interno improvido.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães votaram com o Sr. Ministro Relator
Processo
AgInt no REsp 1577054 / SC
Relator
FRANCISCO FALCÃO
DJe
27/03/2019[:]